A Verdade Sobre a Taxação de 92%

Inspirado no post "A Verdade Sobre a Taxação de 20%", resolvi explicar como chegamos aos 92% que são cobrados em lojas fora do Remessa Conforme ou qualquer item acima de U$50.

Tudo que vou falar refere-se apenas às encomendas postais (transportadas e entregues pelos Correios). Não vou entrar na discussão da isenção para compras até U$ 100 que muita gente conseguia através de ações judiciais.

Como era até 2023?

- Itens fiscalizados em Curitiba: mercadorias entram tributadas por amostragem, já que ainda não existia tecnologia e quadro de funcionários suficientes. Maioria esmagadora das compras abaixo de $50 dólares (declaradas inadequadamente como gift e enviadas como PF) passavam sem pagar imposto. Às vezes até mercadoria declarada acima de $50 passava sem imposto. Eu já tive compra declarada em 200 dólares passando sem cobrança. Era muito comum, mesmo em itens muito caros, com valor declarado abaixo do real, a Receita Federal arbitrar um valor fixo. Ex: por anos qualquer celular era tributado em R$ 250;

- Itens fiscalizados no RJ: Desde 2018 praticamente todas as remessas que chegam pelo RJ são tributadas. São rigorosos na análise da documentação, mas ainda passava muita coisa apenas no declarado;

- Itens fiscalizados em SP: desde que eu comecei a importar (há mais de 10 anos), SP tributa todas as encomendas e são os mais chatos em relação à analise da documentação. Qualquer vírgula mal empregada é desculpa para eles devolverem mercadoria.

Receita Federal sempre entendeu que qualquer compra deveria ser tributada, independentemente do valor.

Quanto era cobrado de imposto até 2023?

Na esmagadora maioria dos Estados cobravam "apenas" (saudades) 60% de Imposto de Importação. Quando tributadas, salvo engano, MG e RS eram os únicos estados que cobravam ICMS em todas as importações postais e isso fazia o imposto passar dos 100% pra quem morava nesses Estados. Havia previsão legal também para o DF, mas não conheço ninguém de lá que pagava.

O que mudou em 2023?

Reforçando: vou tratar apenas de remessas postais acima de U$ 50 e lojas fora do Remessa Conforme.

Em 2023 Haddad criou o Remessa Conforme que previa cobrança de ICMS, além do Imposto de Importação (60%) em todas as importações. Cada estado poderia cobrar o percentual que quisesse (dentro do seus limites). Ou mesmo o Estado poderia cobrar 0%. Os Estados se reuniram através de Confaz e decidiram cobrar uma alíquota unificada de 17%. As decisões do Confaz precisam ser unânimes para entrar em vigor. Então, todos os Estados foram a favor da cobrança de 17%. Recentemente os Estados aumentaram o percentual para 19% (que ainda não entrou em vigor). O cálculo do ICMS é uma aberração completa, mas, em resumo: 60% de II + 17% de ICMS = 92% total.

Ahhhh, mais U$ 50 é um valor muito alto... Não é! O frete entra no cálculo deste valor. Quem usa redirecionador ou compra em lojas do exterior costuma pagar em torno de $20-25 dólares para enviar um item com menos de 500 gramas. Desta forma, se o produto custar 25 dólares já entra na regra de 92%. E sobre a adesão ao Remessa Conforme, isso não é algo simples de ser feito por lojas do exterior.

Foi "correto" o que Haddad fez? Quem escreve este post é um ex-empresário (quebrei em 2022) que trabalhava com itens importados. Minha empresa sempre pagou mais de 100% de imposto nas importações, já que sempre foi cobrado ICMS de PJs que faziam importações para revenda, mesmo por via postal. Meu principal concorrente era o AliExpress, que vendia os itens 30% mais barato do quê meu preço final (e meu lucro não chegava aos 10%). Hoje, com o Remessa Conforme os preços seriam similares aos que eu trabalhava.

Qual foi o erro de Haddad? Todo presidente/ministro sabia que o "correto" seria cobrar II+ICMS em toda importação (importação por courrier sempre pagou ICMS em todos os Estados). Mas como sobreviver politicamente a um "aumento" de 0% (MUITA gente não pagava nada) pra 92%? Provavelmente Haddad não sobreviverá. E nem vou entrar no debate de como o Remessa Conforme ajudou a destruir os Correios, que será privatizado pelo próximo presidente.

Quem mais importava era pobre. Imagina o PT tomando uma medida que beneficia apenas os "Véio da Havan" do mercado nacional. E nem beneficia, pois a esmagadora maioria das coisas vendidas fora não estão disponíveis no Brasil. Acho que a maior beneficiada foi a Magazine Luíza que fez parceria com o AliExpress. Por que será?

E o que o próximo presidente (que será um "liberal de Direita") fará? NADA! Haddad já fez todo trabalho sujo que ele precisava. Arrecadação do governo Federal aumentou e principalmente a arrecadação dos Estados disparou absurdamente. Todos estão lavando a burra com o ICMS. Próximo presidente não vai tirar receita dos Estados.

Sei em quem vocês vão votar ano que vem e compreendo a decisão, mas não ache que algo mudará. Entre os candidatos de oposição ao cargo de presidente, tem algum que tá criticando o Remessa Conforme? Tem algum falando em diminuir imposto de importação? Não me venham com declaração de vereador ou deputado. Minha aposta é: os principais candidatos de oposição nem debaterão essa questão ano que vem.

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Complementação
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Por quê imposto de importação é tão alto no Brasil?

1 - Brasil sempre foi um país extremamente protecionista
E o auge disso foi durante da Ditadura Militar, onde era praticamente proibido importar e os generais inventaram estatal pra tudo. Tinha até a Cobra, uma estatal que fabricava computador. Isso começou a mudar com Collor, que reabriu nosso mercado. Mesmo assim, até hoje, tanto Direita como Esquerda amam proteger a quase inexistente e ineficiente indústria nacional. Basta ver a chantagem que todos fazem quando o governo diz que vai cortar algum subsídio. Setor automotivo é craque nisso.

2 - A maior parte da nossa carga tributária está sobre o consumo e a maior percentual do custo da importação são impostos nacionais
Diferentemente da maioria dos países que cobram mais imposto sobre a renda (e propriedade), o Brasil tem a maior carga tributária do mundo sobre o consumo. E é um imposto que a maioria dos consumidores nem percebe que paga.

Desses 92% que pagamos ao importar, "efetivamente" uns 60-70% são impostos nacionais sobre o consumo (IPI, PIS, Cofins e ICMS). Esses 60% de imposto de importação que pagamos é uma cobrança simplificada que reúne Imposto de Importação + IPI, PIS e Cofins. A alíquota de importação, isoladamente, da maioria dos produtos é de 20%.

Em curto prazo, nada mudará, mas quando a Reforma Tributária (que acabou/substituiu ICMS, PIS, Confins e IPI por um IVA) estiver completamente em vigor, TALVEZ (duvido...) a alíquota total final para importação caia para a casa dos 50-60% (tanto para PJs como PFs). Por quê 50-60%? Maioria dos países que adotam o IVA cobram o Imposto de Importação + IVA dos itens importados. E o IVA não é cobrado "por dentro" como o ICMS. Em teoria, ficará 30% de IVA + 20-30% de II. É utópico, mas acho que é nossa última/única esperança.