Sim, o governo quer baratear a profissão médica, e depois ele vai jogar a culpa da péssima qualidade em vocês (aliás, já está jogando)

Isso está bem claro. Vamos aos números.

Hoje, o preço médio de um plantão médico é R$ 1.200 por médico. Agora, considere uma UPA básica, que funciona com:

  • De dia: 3 médicos de Clínica Médica (CM) e 2 médicos pediatras.
  • De noite: 2 médicos de CM e 1 pediatra.

O custo diário é simples de calcular:

  • De dia: 5 x 1.200 = R$ 6.000
  • De noite: 3 x 1.200 = R$ 3.600

Ou seja, a UPA custa R$ 9.600 por dia só com médicos. Multiplicando por 30 dias, temos R$ 288.000 por mês, para apenas uma unidade.

Dá pra entender por que médico é caro, né? Além de anos de estudo e formação, a responsabilidade é alta, e mesmo "o básico" exige muita dedicação.

Agora, como o governo poderia lidar com a falta de médicos? Existem duas opções.

  • A primeira seria abrir mais faculdades de qualidade, com hospitais-escola e estrutura adequada. Mas isso é caro, e, convenhamos, o governo está quebrado, com déficit todo ano e uma dívida pública cada vez maior.
  • A segunda alternativa, mais barata, é reduzir o custo da formação. Isso significa abrir mais faculdades sem preocupação com qualidade. Não importa se o médico é ruim, desde que tenha alguém "parecendo médico". Se o paciente morrer, a culpa é do profissional, nunca do sistema que o formou.

Esse tipo de política só aumenta o número de profissionais mal preparados. Imagine que a qualidade dos médicos segue uma curva normal (uma curva gaussiana, de sino): ao aumentar o número de formandos sem critério, cresce a cauda esquerda da curva, mas não a da direita. Ou seja, mais médicos de baixa qualidade. Isso reduz os custos no curto prazo, mas traz consequências como aumento dos erros médicos e a percepção da população de que "só tem médico ruim".

Isso afeta, inclusive, os MÉDICOS BONS. Se a sua classe é mal vista, o paciente fica relutante em pagar em um atendimento mesmo que seja "de alta qualidade" (afinal, ele fica receoso de estar sendo enganado). É como a Apple começar a lançar celulares de péssima qualidade: isso afeta a visão da marca como um todo.

Quando os problemas aparecerem, o governo nunca assumirá a culpa (é como um chefe que culpa o funcionário). Eles vão dizer que o médico só pensa em dinheiro, que não quer atender 120 pacientes em 12 horas de plantão. Contratar mais médicos? Nem pensar. É mais fácil culpar quem já está sobrecarregado ou até culpar o próprio paciente.

A narrativa atual, por exemplo, é que antes existiam áreas que não tinham médicos. É uma falácia da falsa dicotomia: ou não se tem médico, ou se tem médico com educação precária. Você é contra a formação de mais médicos? Então você é a favor de que a população ribeirinha não tenha médicos. Mesmo que, por dentro, você defenda que a população ribeirinha tenha médicos de QUALIDADE, com boa formação.

Não existe, por exemplo, a opção de, simplesmente, investir mais nos salários (80k/mês pago em dia, quem não iria para o interior do Maranhão ficar uns 2 bons anos para um pé de meia?), investir mais em médicos melhores (aumentando o custo da educação) ou simplesmente alocando melhor os recursos do SUS. Mas a opção nunca foi essa, porque a intenção é BARATEAR - é GASTAR MENOS, custe o que custar (afinal, o Estado brasileiro está quebrado - e não, não é por causa da saúde).

A única forma de resistência são os sindicatos e o CRM.

Precisamos regulamentar a profissão, como limitar o número de atendimentos em UPAs (ex.: 3 pacientes/hora) e punir gestores que abusam do sistema. Criar sistemas de certificação que separem o joio do trigo ("OAB da Medicina", Residência, provas de título) e orientar a população que profissionais sem essas certificações não são bons.

Se isso não for feito, vai sobrar pra gente, e a profissão médica será cada vez mais desvalorizada.

É uma questão de proteger a Medicina; proteger aquilo pelo qual juramos; proteger a população de um governo que PODE oferecer mais, mas NÃO QUER.